Selecções e os clubes profissionais de futebol: os calendários e as cedências de jogadores
Hoje decidi fazer uma pequena crónica sobre um tema que há muito me causa alguma confusão e que, tenho plena consciência, é com certeza bastante polémico.
Ao longo dos anos, para não dizer décadas, vamos assistindo a um “vaivém” constante dos jogadores de futebol entre os compromissos dos seus clubes, a entidade patronal que na grande maioria dos casos lhes paga salários milionários, e os das selecções nacionais.
São inúmeras as vezes em que os clubes com maior projecção, que lutam por títulos, se vêem limitados a treinarem com planteis muito reduzidos porque grande parte dos seus jogadores, internacionais, partem para as referidas concentrações. O controverso, em meu entender, é que o calendário internacional está delineado de uma forma absurda, com inúmeras datas disponíveis para jogos amigáveis ao longo do ano, intercalados com os compromissos das qualificações para os europeus e mundiais. Mas será que isto se justifica? Apesar de ter noção que muitos não concordarão comigo, eu digo claramente que não.
Pegando num exemplo concreto, naquele que nos é mais próximo, o que ganha uma selecção portuguesa, a nível desportivo, em jogar amigáveis contra equipas como o Liechtenstein, Luxemburgo, Sudão, etc? Com o devido respeito que estas nações me merecem, os ganhos a nível desportivo são praticamente nulos. São jogos que muitos dos atletas abordam sem grande tipo de motivação (será que precisam destes amigáveis para se entrosarem?) e que muitas vezes são propícios a lesões. Isso mesmo, lesões ou reincidências de mazelas antigas. Mas já lá vamos. Primeiro gostaria só de concluir que sei perfeitamente que as selecções também funcionam como uma “montra” para bastantes jogadores, principalmente para aqueles que procuram “o contrato das suas vidas”, assim como que ainda existem vários a jogar com “amor à pátria”, no entanto este tipo de jogos “a feijões” são sobretudo benéficos para as federações e para a própria UEFA/FIFA (ao nível de bilheteiras, sponsors, direitos televisivos, etc). Já há muito tempo que o digo, sou um dos opositores do futebol negócio.
Não podia vir mais a calhar a recente troca de palavras entre Paulo Bento e Pinto da Costa. Epicentro: João Moutinho. Todos o conhecem, não precisarei de dizer quem é, a qualidade que possui e o quanto fulcral é o seu futebol quando está na plenitude das suas capacidades...E é mesmo aqui que quero chegar para justificar a minha linha de pensamento. João Moutinho lesionou-se há algumas semanas, perdeu alguns jogos importantes do seu clube e teve uma reincidência da lesão no jogo da segunda mão da Champions League em Málaga, tendo alinhado apenas 45 minutos. Volta a falhar mais um compromisso importante do seu clube e eis que chegam os jogos da selecção nacional (sei bem que estes não são amistosos). Foi com espanto que várias pessoas, onde eu me incluo, assistiram à sua não dispensa dos trabalhos, à sua inclusão nos treinos sem limitações e aos 90 minutos jogados em Israel, na passada sexta-feira. Foi notório que o jogador não está bem, não rendeu nem “metade” do habitual e corre o risco de voltar a ter nova recaída, caso hoje volte a fazer mais 90 minutos num relvado que se afigura “pesado”.
Mas voltando a Paulo Bento, é esta a postura agressiva que se pretende de um seleccionador perante um clube de futebol? A que se deve toda a esta animosidade, esta prepotência? Era bom que alguém lhe relembrasse (comunicação social incluída) que, neste caso concreto, o atleta é pago (e bem pago) pela sua entidade patronal, que está mais do que a par das suas condições físicas, e que a mesma tem toda a legitimidade para opinar sobre a sua situação clínica / utilização. Este discurso do “eu é que sei, posso e mando” ou a linguagem labrega utilizada na conferência de imprensa na última abordagem a este tema (“debitar postas de pescada”), só lhe ficam mal e acentuam as críticas daqueles que defendem que tem de haver bom senso e ponderação no futebol português, de todas as partes. Ou será que uns são sempre “anjos” e outros “demónios”?
Apesar do próprio João Moutinho ter a responsabilidade de, melhor do que ninguém, saber como se sente, o que Paulo Bento fez denota uma tremenda falta de coerência e propicia a que este clima de “conflitos “seja uma constante do futebol português. De relembrar que na antevisão do jogo da passada sexta-feira colocou a responsabilidade de jogar nos “ombros” do jogador, para à posteriori afirmar que ele é que decide quem joga ou não. Mas enfim, algo que já estamos habituados a ver/ouvir…Infelizmente. O discurso de união em torno de uma selecção, que tantos apregoam, não se adequa com estas posições públicas de pessoas com altas responsabilidades federativas.
Também serve de exemplo concreto o facto de no início dos meses de Setembro haverem quase sempre dois jogos internacionais, parando os campeonatos nacionais que em muitos casos tinham começado há duas ou três semanas (se tanto), para logo de seguida, que é como quem diz “passados uns dias”, os clubes mais importantes terem logo jogos das competições europeias. Como é que um treinador pode preparar a sua equipa, de forma conveniente, se está constantemente privado dos seus melhores jogadores e os “recebe” pouco antes de vários desafios importantes? Alguns, com jogos noutros continentes, dão “autênticas voltas ao mundo”…
Resumindo e concluindo, sou contra a forma como estão delineados os calendários internacionais. Julgo que as instâncias responsáveis deveriam repensar os mesmos para evitar algumas das inúmeras situações absurdas que temos presenciado, assim como deveria imperar o bom senso entre todos os agentes desportivos, para evitar que situações desagradáveis como a que citei continuem a ser prática mais ou menos recorrente.